domingo, 27 de março de 2011

PENSANDO A MÚSICA "SECULAR" (Parte II)


Na verdade existe uma desconfiança histórica com relação à música. O seu conceito de “expressão de sentimentos através dos sons” tem sido trocado por ideias preconcebidas de acordos com os “gostos” de diversos grupos da sociedade e a sua utilização. Nessa, me valho da musicologia que jamais poderá ser descartada, pois ela como estudo científico da música não coaduna com opiniões equivocadas que tentam se caber em pretechos relacionados a religião, preconceitos ou até mesmo legalismo. Nesse certame, iniciamos informando que ela é nada mais nada menos que a “expressão de sentimentos através de vibrações sonoras“. E é daí que partiremos para a abordagem de música cristã e secular.


É necessário muito cuidado para não diabolizar o que seria um bom sentimento expressado, ou o inverso, como é o caso de quem deliberadamente ouve e absorve discursos contrários aos valores de Deus.


Existe bastante falta de conceito por parte de muitos que criticam aqueles que convivem com a música secular. Eu particularmente aprendi na igreja que deveria fugir dela, porém nunca fui convencido de sua total inviabiliadade para vida comum. Lembro que quando cursava meu 2º grau, lia nos livros de Literatura lindos poemas de Fernando Pessoa, Castro Alves, Augusto dos Anjos, etc., já nas aulas de História ouvia canções relacionadas ao Regime Militar e vibrava por tanta criatividade vinda da parte dos compositores da época, porém, em seguida sempre recebia a duxa de água fria quando de um líder ouvia as velhas repreensões: “A luz não pode se misturar com as trevas…”, etc. Sei que ainda hoje paira o mito da sua utilização por parte dos crentes. Mas contradição é latente pois há aqueles, por exemplo, que criticam um irmãozinho “fulano de tal” porque que ele escuta determinada música, porém o bendito crítico é geralmente aquele cara que adora um filme de ficção (secular), ou em caso de algumas irmãs, são as que não perdem a novela das oito.


A Bíblia nos recomenda a viver uma vida de santidade e essa separação com o mundo não santifica ou sataniza objetos ou meios, mas nos capacita a lidar e conviver com vários discursos da cultura a qual estamos inseridos. Lembre-se, a “separação deve ser inclusiva”, caso contrário o sal fica longe da carne que se deteriorizará rapidamente.


Assim como jogar futebol, assistir um filme, ir ao cinema, ouvir uma música secular não é pecado, contanto que sua mensagem não fira as verdades de Deus e que se adéqüe ao que Paulo falou aos Filipenses 4.8: “tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, isso ocupe o vosso coração”. Existem bastantes músicas educativas, politizadas, encorajadoras e de reflexão para nossa vida comum, elas com certeza trazem no seu bojo os fundamentos cristãos. Há uma bela canção de Guilherme Arantes que diz: “eu desejo amar a todos que eu cruzar pelo meu caminho. Como sou feliz, eu quero ver feliz quem andar comigo”, e por aí vai. Muitas vezes ignoramos verdades ditas por não cristãos apenas por não se dizerem cristãos, enquanto muitas vezes ouvimos heresias nos conteúdos das músicas denominadas “gospel”. Paulo disse: tudo é lícito, mas nem tudo me convém, e essa sutil escolha entre valer a apena ou não, deve ser feita a luz da palavra – se te edifica, vai em frente, se não, então recue.


O conceito de secular é tão pouco explorado que se formos entender como aquilo que não traz em sua roupagem algo de religioso, constataremos que na própria Bíblia existe muito de “secular”, como por exemplo, o poema “secular” que Davi escreveu em homenagem a Saul e Jônatas em 2 Samuel 1.19-27, alguns provérbios que apenas tratam de educação, moral, respeito, sem aparentemente fazer alguma menção direta a Deus. Muito embora em seu crivo permeiam os valores que são participantes da conduta correta da verdadeira forma de ser cristão.


As doutrinas da criação, queda e redenção precisam estar muito bem definidas na vida do cristão, e se mal interpretadas, com certeza toda percepção de arte será deturpada. E é isso que precisamos fomentar em nossas igrejas: pessoas preparadas para lidar com a arte da música, e revertê-la para contextualização do evangelho e alcance de pessoas.


A música por si só é desprovida de caráter. Ela é um veículo de linguagem, que pode ter inúmeras funções. A pessoa que tem o talento para música seja ele músico, intérprete ou compositor, com certeza recebeu esse presente de Deus (Tiago 1.17), tendo esta pessoa conhecido a Deus ou não. É o que chamamos de “Graça comum”. A criatividade é fonte que sai de Deus, e mesmo embora estando ela desfigurada pela herança adâmica não nos outorga abominar a sabedoria, criação e habilidade daquele que está longe de Deus. Ninguém pergunta se o dentista é crente antes de ser atendido, ou se o cozinheiro do restaurante é evangélico, ou se o arquiteto que projetou a casa onde se reside é um homem de Deus. E assim muitas vezes consumimos produtos de ateus, espíritas, idólatras, o que não quer dizer que suas aptidões foram dadas pelo diabo.


Steve Tuner em Cristianismo Criativo (2000, p.91) escreveu: “A solução é constantemente manter a queda em equilíbrio com a doutrina da criação. O mundo não está tão cheio de mal de modo que não possamos desfrutá-lo nem tão cheio de bondade de modo que possamos abrir mão de nós mesmo em favor dele”.


Não incentivo ninguém que não conheça as doutrinas da criação, queda e redenção a ter contato com arte secular ou música, mas oriento que estude sobre os conceitos de arte cristã. Sei que é difícil , uma vez que a indústria gospel fabrica artes medíocres em grande escala enquanto nas igrejas pouco aparece espaços para palestras, debates e aulas sobre arte secular / cristã. Entendo que crescer na graça e no conhecimento abrange a aprender (sob a ótica da graça comum) com pessoas não crentes, sejam professores de universidades, médicos, políticos, poetas, escritores, comentaristas esportivos, geógrafos, e inclusive, músicos através de suas canções.


Termino dizendo que muitas vezes o discurso cristão pode estar no secular sem que se perceba e vice-versa. Sendo assim, usemos as lentes da graça de Deus e de Sua palavra para que possamos aprender mais de Dele através da música e que a partir dela possamos alcançar muitos perdidos.


No próximo artigo, espero que leiam e respondam, falarei sobre a urgente necessidade da contextualização da música nas igrejas, ou a contextualização das igrejas através da música.

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