sábado, 18 de junho de 2011

Música secular: uma abordagem liberta do senso comum evangélico

Por Antognoni Misael

Até hoje existe uma desconfiança histórica com relação à música secular - de objeto de mensagem subliminar a vaca sagrada da igreja. O secular sempre foi ultra-profano para os conservadores quando alguém admite que curte canções seculares. Parece que tudo desabou. É comum ouvir relatos de pessoas que após a conversão lançam fora suas belas coleções de rock anos 60, suas discografias de música popular brasileira (muitas vezes por sugestão e pressão da liderança eclesiástica) e já depois de regenerado, se contentam com a música chamada gospel, muitas delas de pobreza poética e de musicalidade. Seria como na pior da hipóteses trocar Roberto Carlos por J. Neto, Luiza Possi por Damares, ou Maria Rita por Cassiane...Que diferença hein?  

A Música é nada mais nada menos que a "expressão de sentimentos através de vibrações sonoras". Ela não passa disso em seu conceito primário. No entanto, é necessário muito cuidado para não diabolizar o que seria um bom sentimento expressado ou o inverso, como é o caso de quem deliberadamente ouve e absorve discursos contrários aos valores de Deus.

Existe bastante falta de conceito por parte de muitos que criticam aqueles que  convivem com a música secular. Eu particularmente aprendi na igreja que deveria fugir dela, porém nunca fui convencido de sua total inviabilidade para vida comum. Lembro que quando cursava meu 2º grau, lia nos livros de Literatura lindos poemas de Fernando Pessoa, Castro Alves, Augusto dos Anjos, etc., já nas aulas de História ouvia canções relacionadas ao Regime Militar e vibrava por tanta criatividade vinda da parte dos compositores da época, porém, em seguida sempre recebia a duxa de água fria quando de um líder ouvia as velhas repreensões: "A luz não pode se misturar com as trevas...", etc. Mas contradição é latente pois há aqueles, por exemplo, que criticam  o irmãozinho "fulano" porque que escuta determinada música, porém o bendito crítico é geralmente aquele cara que adora um filme de ficção (secular), ou em caso de algumas irmãs, são as que não perdem a novela das oito.

Assim como jogar futebol, assistir um filme, ir ao cinema, ouvir uma música secular não é pecado, contanto que sua mensagem não fira as verdades de Deus e que se adeque ao que Paulo falou aos Filipenses 4.8: “tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, isso ocupe o vosso coração”. Existem bastantes músicas educativas, politizadas, encorajadoras e de reflexão para nossa vida comum, elas com certeza trazem no seu bojo os fundamentos cristãos. Há uma bela canção de Guilherme Arantes que diz: “eu desejo amar a todos que eu cruzar pelo meu caminho. Como sou feliz, eu quero ver feliz quem andar comigo”, e por aí vai. Muitas vezes ignoramos verdades ditas por não cristãos apenas por não se dizerem cristãos, enquanto muitas vezes ouvimos heresias nos conteúdos das músicas denominadas "gospel". Paulo disse: tudo é lícito, mas nem tudo me convém, e essa sutil escolha entre valer a apena ou não, deve ser feita a luz da palavra – se te edifica, vai em frente, se não, então recue.

O conceito de secular é tão pouco explorado que se formos entender como aquilo que não traz em sua roupagem algo de religioso, constataremos que na própria Bíblia existe muito de “secular”, como por exemplo, o poema "secular" que Davi escreveu em homenagem a Saul e Jônatas em 2 Samuel 1.19-27, alguns provérbios que apenas tratam de educação, moral, respeito, sem aparentemente fazer alguma menção direta a Deus, muito embora em seu crivo, obviamente, permeiem os valores que são participantes da conduta correta e da verdadeira forma de ser cristão.

As doutrinas da criação, queda e redenção precisam estar muito bem definidas na vida do cristão, e se mal interpretadas, com certeza toda percepção de arte será deturpada. E é isso que precisamos fomentar em nossas igrejas: pessoas preparadas para lidar com a arte da música,  e revertê-la para contextualização do evangelho e alcance de pessoas.

Saliento que a música por si só é desprovida de caráter. Ela é um veículo de linguagem, que  pode ter inúmeras funções. A pessoa que tem o talento para música seja ele músico, intérprete ou compositor, com certeza recebeu esse presente de Deus (Tiago 1.17), tendo esta pessoa conhecido a Deus ou não. É o que chamamos de "Graça comum". A criatividade é fonte que sai de Deus, e mesmo embora estando ela desfigurada pela herança adâmica não nos outorga abominar a sabedoria, criação e habilidade daquele que está longe de Deus. Ninguém pergunta se o dentista é crente antes de ser atendido, se o cozinheiro do restaurante é evangélico, ou se o arquiteto que construiu a casa onde se reside é um homem de Deus. E assim muitas vezes consumimos produtos de ateus, espíritas, macumbeiros, idólatras, o que não quer dizer que suas aptidões foram dadas pelo diabo. Steve Tuner em Cristianismo Criativo (2000, p.91) escreveu: “A solução é constantemente manter a queda em equilíbrio com a doutrina da criação. O mundo não está tão cheio de mal de modo que não possamos desfrutá-lo nem tão cheio de bondade de modo que possamos abrir mão de nós mesmo em favor dele”.

Não incentivo ninguém a ter contato com arte secular ou a tal "música do mundo" sem que antes conheça as doutrinas da criação, queda e redenção, mas oriento também que, além disso, que estude sobre os conceitos de arte cristã. Imagino também que seja muito difícil construir um conceito consistente a este respeito, uma vez que a indústria gospel fabrica artes medíocres em grande escala, ao mesmo tempo que nas igrejas pouco surgem espaços para palestras, debates e aulas sobre arte secular / cristã.

Entendo que crescer na graça e no conhecimento também abrange a aprender (sob a ótica da graça comum) com pessoas não crentes, sejam professores de universidades, médicos, políticos, poetas, escritores, comentaristas esportivos, geógrafos, e inclusive, com músicos através de suas canções.

Termino dizendo que muitas vezes o discurso cristão pode estar no secular sem que se perceba e vice-versa. Sendo assim, usemos as lentes da graça de Deus e de Sua palavra para que possamos aprender mais de Dele através da música sabendo apreciá-la corretamente e que principalmente utilizando-se dela para alcançar muitos perdidos.

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Antognoni Misael

2 comentários:

  1. Ótimo artigo...Parabéns.
    Concordo e assino em baixo
    @AlessandroDBass

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  2. Olá Amigo
    Antognoni Misael,


    Excelente explanação sobre o tema. Sou cristão e curto sim música secular e estilos alternativos de músicas cristãs, que infelizmente ainda são marginalizadas pelos nossos “Guetos Cristãos”, nunca em minha vida escondi minhas preferências musicais.

    Certa vez o pastor da “igreja/denominação”, na qual me converti, passou 45 minutos de sua pregação, falando única e exclusivamente para mim, sobre os estilos musicais que eu ouvia e ainda ouço, ele afirmava que eram músicas do demônio e coisas do gênero, infelizmente ainda tem pessoas que em demonizam certas coisas e santificam outras, mas enfim. Oro por esses religiosos, pois somente o que importa e vivermos na direção do Criador, sem nos afastarmos de seus propósitos.

    Shalom.

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