terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Se eu quiser falar com Deus


Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz
Tenho que folgar os nós
Dos sapatos, da gravata
Dos desejos, dos receios
Tenho que esquecer a data
Tenho que perder a conta
Tenho que ter mãos vazias
Ter a alma e o corpo nus
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que aceitar a dor
Tenho que comer o pão
Que o diabo amassou
Tenho que virar um cão
Tenho que lamber o chão
Dos palácios, dos castelos
Suntuosos do meu sonho
Tenho que me ver tristonho
Tenho que me achar medonho
E apesar de um mal tamanho
Alegrar meu coração
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus
Sem cordas pra segurar
Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada
Que ao findar vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar
Gilberto Gil
***
A ideia da canção me lembra do costume que Jesus tinha de se ausentar para orar. Muito embora o Pai o escutasse em qualquer instante, nos deixou o exemplo da necessidade de por alguns momentos, se retirar, “ficar a sós” com o Pai (Mt 14.23). Em instantes como este às vezes é preciso “calar a voz”, nada pedir, evitar julgamentos torpes, e só escutar o que Ele tem pra nos ensinar.
“Folgar os nós dos sapatos, da gravata” nos remete a ideia de desapego da incansável materialidade da vida, o contínuo trabalho, que fadiga, cansa, estressa. Portanto, nesse instante a sós com Ele, é bom que se deposite toda ansiedade, desejos, receios, se apresentando de alma e corpo nus, em Espírito e em Verdade, tendo as próprias “mãos vazias”, sem apego, ganância, altivez...
A expressão “Aceitar a dor”, nos expede a uma tribulação permitida por Deus que é indispensável para o crescimento espiritual (Tg 1.3-4), enquanto que “comer o pão que o diabo amassou” lembra-nos um ditado popular de sofrimento, porém indica a relegada e árdua tarefa consequente do pecado de Adão para a humanidade (Gen 3.17,19).
“Virar um cão” e “lamber o chão dos palácios, dos castelos” novamente nos leva a pensar no desprendimento material, visto que o lugar em que nos encontramos nesta vida representa o local cujo Deus nos colocou para que sejamos luz - seja num palacete ou simples emprego ou moradia (Mt 5.14-16).
“Apesar do mal tamanho” bom é sempre depositar nossa alegria no Senhor sabendo que Ele tem nos guardado muito para o porvir (1Co 2.9).
(...) “subir aos céus sem cordas pra segurar” nos convoca ao exercício da fé e confiança nEle e “dar as costas” para o passado, caminhando para a eternidade (Hb 11.1).
Contudo, caro leitor, o que fica fluido nesta canção é o incerto final que Gil imprime, ao dizer que o “findar vai dar em nada” do que ele “pensava encontrar”. Triste isso não é? Então, pensemos em algumas verdades por aqui ditas, mas com a grande complementação não feita pelo autor. Não sabemos como ele e muitas outras pessoas imaginam como será o fim de tudo, se crêem numa vida eterna vide céu e inferno, ou não, mas ratifiquemos que, aqueles que se achegaram a Deus, além de terem livre acesso para falar abertamente com Ele sem que sejam necessários ritos ou sacrifícios, têm a certeza de que no findar da vida por aqui, estarão nos braços do Pai para todo sempre (Lc 23.43).
***
Eu, Antognoni Misael, um cara que continua procurando pontes entre arte "cristã" e "secular", porém "nunca trocando a viva Palavra pelo que eu achava ou deixe de achar".

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