domingo, 16 de novembro de 2014

O templo sagrado e o areópago pagão da minha cidade

Por Antognoni Misael

Toda cidade tem uma espécie de areópago. Algumas têm vários, outras não. Mas toda cidade tem. O areópago era uma parte da Acrópole em Atenas que servia para reunião de conselheiros, educadores, cientistas, políticos, poetas e pensadores, de uma forma geral.
Sobre o mesmo chão está o Muro/ E o Lado de lá, que você esqueceu” [1] 
Ontem eu vi um areópago no meio da praça da minha cidade, tudo bem que não houve discurso político nem algum poeta grego foi mencionado, mas houve discurso poético, sincrético, existencialista e tantos outros. De certo aquele areópago era principalmente musical - pois a música também discursa – e o palco era livre, democrático, e pronto pra que algum súdito subisse ali e fizesse a sua arte.
Evento - Café com Poeira (Guarabira-PB)

Por um instante tive um vislumbre. Felicidade, frustração, não sei bem. “Viajei”... e tal “viajem” me trouxe a memória alguns fatos: 1) que o número de evangélicos tem crescido, ou inchado; 2) a cada esquina uma garagem estreia mais um púlpito (quase sempre um palco para ‘stand up’ para todas as demandas, mais de loucuras que lisuras); 3) quanto mais eles crescem, se espalham, se dividem por distanciarem-se abissalmente da Palavra; 4) sendo assim, o movimento evangélico fragmenta a cruz, e cada pedaço vai pra um lado. Triste né? Destarte, é bom que se perceba que tal fenômeno não abarca absolutamente todas igrejas - claro!

Aqui onde moro, e falando ainda de “igrejas”, eu começaria pelas mais ridículas, tipo: IURD, Mundial, Show da Fé. Essas marqueteiras estão alojadas aqui pra cumprir seu papel mercadológico de franquia. Elas disputam praticamente o mesmo público. Mas além delas há dezenas tipicamente evangélicas, mas nem todas genuinamente cristãs.

Contudo, voltando ao vislumbre, este me fez pensar em dois aspectos: a estandardização das “sagradas igrejas” e o desprezo pelo “areópago pagão”.
“Me apontaram as cercas e os muros /Eu quis o caminho, Roguei pela vida” [2]
Olha só, certa vez ouvi de um artista cristão que igreja é como o estrume (o popular cocô de gado) o qual precisa ser espalhado pra dar vida a terra, pois uma vez amontoado num só local, fede. Apesar de ser um exemplo, quase esdrúxulo, tem sua verdade. Igreja que vive pra dentro tende a feder. Logo, se igreja deve ser reunião de discípulos, discípulos são como seu mestre, e o mestre não vivia dentro do “templo”, o mestre vivia no mundo. Portanto, igreja é feita pra servir na rua, na praça, nas escolas, hospitais, enfim, igreja é feita, também, pra subir em areópago e discursar.

O mundo - cuja Bíblia nos ordena não amar - é um sistema de princípios e valores; e não a criação, lugares e gente.

A triste realidade é que muitos líderes não entendem isso. Igreja, para tais, é propriedade sua. É franquia em constante disputa no “mercado de deus”, é campo murado dentro da cidade, é cerca, é “santo lugar” que ninguém pode se sentir livre e como se estivesse em casa.

Portanto, assim não é surpresa que esses sistemas eclesiásticos sendo projetados para dentro de si mesmos, ou, quando direcionados para fora – seja como num culto de rua com amplificadores às alturas, entrega de folhetos descontextualizados no meio da praça, ou por alguma “marcha pra jesus” - , contudo, sendo estes feitos para dentro, ou adaptavelmente para fora, o que ocorre é que ambos  os sistemas caem no comodismo de fabricar os seus próprios areópagos dentro de si mesmos. Já imaginou, uma igreja com o areópago (simbolicamente) no lugar do púlpito? (isso, para que ninguém se “contamine” ao ir discursar lá na praça, na universidade, no teatro, ou em qualquer outro lugar)

Relembremos do evento narrado em Atos 17, onde Paulo sobe ao areópago e discursa para os gregos. Ali, com naturalidade apóstolo apresentou o pensamento cristão de uma forma que os atenienses puderam facilmente entender. Ou seja, ele apresentou o cristianismo no nível dos atenienses fazendo uma ponte apologética com o altar ao Deus desconhecido: “(…) esse, pois, que vós honrais, não o conhecendo, é o que eu vos anuncio”.
“E vou subvertendo o mundo / Amando a esperança que salta os muros” [3]
É interessante notar nesta passagem que Paulo não chegou a ter êxitos no mesmo instante quanto a conversão dos seus ouvintes, no entanto esta sem dúvida alguma foi uma das maiores apresentações cristãs da história. Talvez, muitos achem desperdício subir nos areópagos e com singeleza se “misturarem” com os súditos e discursarem sobre o “Deus desconhecido”, de repente esta não é a forma estatisticamente eficaz para os métodos de enchimento de igreja... Entretanto, é muito importante considerar que ao ir ao areópago não vamos convencer ninguém a aceitar a Verdade – esta parte não pertence a nós. Assim sendo, ser sal e luz não significa utilizar métodos para alcance de não-cristãos; ser sal e luz é “ser”, “ir”, “ficar”, “andar”, “demonstrar”, “dizer”...é um estilo de vida!

Um dos exemplos que devemos tirar em Atos 17 é o amor cujo Paulo imprime em seu discurso. É preciso que aprendamos com a apologética paulina neste sentido. Além disso é preciso entender o Senhorio de Cristo em todas as áreas da vida! O Cristo Todo para Vida Toda em todos os seus aspectos!

O areópago de minha (ou sua) cidade está pronto, seu público está no local, alguém vai subir lá e discursar, muitos irão subir e discursar... e os cristãos? Onde estão? – Já sei! Do outro lado do muro! Bem longe do areópago da minha (ou sua) cidade.

***

[1], [2] e [3], trechos da canção Sobre o Mesmo Chão - Palavrantiga.

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