terça-feira, 4 de junho de 2013

A Arte Sacra e a Bíblia dos Ignorantes

Por Rodrigo Ribeiro

O grito de Sola Scriptura cursou muito caros aos reformadores, e alguns homens considerados pré-reformadores como John Huss, que foi morto em razão de não arredar os pés das preciosas verdades bíblicas. Este lema, um dos cinco solas, é basilar no protestantismo, pois trata sobre a autoridade final em todas as questões, sobre o instrumento que valida as práticas e experiências, nos diz respeito sobre quem somos, quem cremos e o que devemos ou não fazer. Tudo isto está na escritura, a norma maior que nos guia (Gl 6.16), a verdade que nos habilita para toda boa obra (2 Tm 3.16-17).

No entanto a religião majoritária da Europa do Século 16, o catolicismo romano, não creditava um valor tão elevado as Sagradas Escrituras, e a colocava em um verdadeiro cativeiro, pois a afastava do povo, deixando distante dos leigos, trancafiadas nas mãos do clero. Para as pessoas comuns, que não tinha acesso à Bíblia, tão pouco sabiam ler em latim, o pensamento católico medieval reservava um pequeno paliativo: a arte sacra compreendia como a Bíblia dos ignorantes. [1] É neste sentido que podemos vislumbrar a efusiva produção artística e sacra do período, pois as esculturas, imagens e demais manifestações gráficas serviam como alento para os iletrados.

Tal postura foi rejeitada pelo protestantismo, que ainda entendo o valor das artes, não aceitava a existência de “Bíblias para os ignorantes” e sempre se propôs a investir de maneira árdua na tradução das Escrituras para a língua original de cada povo, e também atuou de forma diligente na educação das pessoas, a fim de que se tornassem capazes de por si próprios, com o auxílio do espírito, recorrer à revelação divina para se alimentarem e encontrarem a correta orientação a respeito do modo que deveriam viver.

Observando o rico legado protestante, é inevitável a perplexidade diante dos rumos que o evangelicalismo contemporâneo tem tomado, assumindo posturas que são evidentes regressos à teologia e prática romana medieval. Os cristãos têm se mantidos distantes das Escrituras, seja por compreensões equivocadas ou por mera preguiça espiritual, e tem sido sutilmente doutrinados por melodias belas, mas de conteúdo sofrível e que ferem a sã doutrina. É bastante verdadeiro o comentário do Pr. Paul Washer a esse respeito, quando diz que a maior parte do nosso cristianismo vem de músicos e não da bíblia. Com isso não estou criticando a arte sacra, tão pouco a arte como um tudo. Mas sim o uso indevido desta. A sua supervalorização em detrimento da fonte segura e imutável de fé e prática: as Escrituras Sagradas. Temos resgatado o conceito de “Bíblia dos ignorantes”, nos alimentando de remendos, desprezando a comida que nos alimenta (Jó 23:12).

É por falta de uma base solida calcada na palavra que muitos formam suas teologias em canções, que são muitas vezes compostas por hereges, ou no mínimo, por homens de pouco conhecimento bíblico e até mesmo neófitos. Precisamos lembrar-nos sempre que, ainda que existam excelentes canções, complemente afinadas com os ensinamentos bíblicos, também existe muita heresia envolvida numa melodia bonita e agradável sendo vendida por ai, tal qual nos dias de Ário [2]. É arriscado demais entregar-se cegamente às partituras, sem o prévio confronto com as verdades bíblicas. Podemos acabar trocando o Deus da bíblia por um outro que vive a levar portas na cara, enquanto tem "flash backs" alucinógenos e lamenta pelas promessas arquivadas. [3]

E a principal questão é que não precisamos de “Bíblias para ignorantes”! Todo cristão, por mais humilde que seja, tem acesso à Deus, por intermédio do Espírito e da mediação de Cristo, e pode encontrar as respostas e direções na Bíblia Sagrada. Não precisamos depender do clero, e ficar contentes com as migalhas da arte sacra. Podemos e devemos ir direto a fonte. É conhecimento que nos falta? Que sejamos instruídos pelos mestres e pastores fiéis à palavra, mas que acima de tudo, possamos recorrer diretamente à escritura, confiando no poder do Espírito, o que de modo nenhum anula nosso dever de estudar com dedicação a fim de compreender cada vez melhor a revelação de Deus para nossas vidas.

Como protestantes devemos zelar pela “sola scriptura”, não aceitando as muletas do mundo gospel com sua teologia fajuta, que coloca palavras na boca de Deus a quais ele nunca disse. Que possamos investir na educação, a fim de que libertemos a Escrituras do exílio da ignorância e da letargia espiritual.

***

Rodrigo Ribeiro, @rodrigolgd, é bacharel em direito, estudante de teologia e colunista da Ump da Quarta e Arte de Chocar.

2 comentários:

  1. Gostei muito desse texto. Vivi meus primeiros 18 anos de vida no catolicismo, praticante mesmo. Um dia um padre me deu uma bíblia e resolvi ler ela toda. Mudou a minha vida, Deus abriu os meus olhos. E vendo lendo desde então e Deus continua abrindo os meus olhos a cada dia. Mas como cristãos podem depender apenas de pregações egocêntricas que tentam ensinar algo com as experiências de vida dos pastores, muitas vezes sem ler um versículo da bíblia??? E dessas músicas que as pessoas tem cantados em seus "show gospel"??? Se fosse nos hinários antigos pelo menos algo se aproveitaria. Realmente lamento o rumo que o cristianismo tem tomado. Sola Scriptura!

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  2. Como ouvi uma vez, se a música fosse mais importante que a palavra, os Salmos viriam com partitura.

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