Por Antognoni Misael
Quem curte o contratempo dos compassos sabe do que estou falando. Batida firme, linha de baixo solta, guitarra staccato, órgão ritmado, voz possante. Falo do Reggae, a cara da Jamaica.
Quase sempre relacionado com a ganja, o som da Xaymaca (terra dos mananciais) é evitado por alguns cristãos que o interpretam como um estilo musical lascivo, no entanto, equívocos à parte, vejo que ele tem muito a nos ensinar. Ele não foi fruto de encomenda cultural, invenção de marqueteiro musical, nem tampouco tem haver com a Som Livre, MK, Line Records ou Rick Bonadio. O Reggae representa o grito da sujeição das algemas no século XVI ecoado na África que ressoou fortemente Jamaica em tom de liberdade no século XX. Ele me fascina porque faz lembrar navio negreiro, corpos lançados ao mar, sonhos de famílias destruídos, mas também liberdade, justiça, alegria e superação.
Em 1962 os jamaicanos livraram-se do julgo inglês, mas não de um legado de violência, desemprego, miséria e anafalfabetismo. Ali sobrava no fim da história, um povo sofrido, carente da misericórdia de Deus e ainda ferido em nome Dele.
Não poderia falar do Reggae sem citar Marcus Garvey, o primeiro jamaicano a receber o título de herói nacional; tal herói desejava levar os negros de volta para a África sob o lema “Um Deus! Uma aspiração! Um destino”! Movido por uma interpretação velho-testamentária equivocadamente aplicada a Jamaica, foi citado na canção de Steel Pulse “Whorth His Weight In Gold” (Valeu seu peso em ouro), relacionando o sentimento jamaicano com as cores da bandeira etíope: “Vermelho pelo sangue que fluiu como um rio, verde pela terra – África, amarelo pelo ouro que eles roubaram, negro pelo povo que eles roubaram”.
Com um discurso político-religioso Bob Marley surge na década de 70 como o principal representante do Reggae. Identificado com a ideia de redenção e liberdade para o país recém liberto da colonização, ganhou notoriedade no mundo todo e espalhou a música jamaicana por todos os lados do globo. O seu talento era inegável e seu discurso além de libertário, era forte e conquistador. Pra mim, uma das canções que mais chama atenção é Redemption Song, (Canção da Redenção), e que merece de forma inadiável ser apreciada.
Sinceramente, hoje em dia quando ouço um louvor em forma de Reggae, ou quando toco, tipo “Quem pode livrar como o Senhor?” (de Bené Gomes) nesse estilo, penso: será que os crentes sabem o que o Reggae significa? Sabem em que circunstâncias ele surgiu? De onde veio? Como chegou até nós? Será se pensam que ele foi invenção dos crentes?
Digo sem dúvida que as sementes do Reggae foram os escravos trazidos nos porões dos navios negreiros da África para o Caribe. E o interessante é que nessa história de sujeição, separação, imposição, escravidão, incrivelmente surge o novo, o improvável, o belo. Isso mostra que Deus rege a humanidade de uma forma extraordinária, visto que nesse caleidoscópio de Graça Divina muita coisa passa despercebida por nós diante de Sua grandeza.
Deus, Maestro da Música, da Arte, da História! Ele, somente Ele compõe arte no meio da guerra, compõe vida em ensejos de morte, compõe misericórdia em trajetória de injustiça.
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