quinta-feira, 28 de novembro de 2013

50 anos sem C. S. Lewis

c s lewisNo mês em que “comemoramos” os cinquenta anos da morte de C.S. Lewis, eu não poderia deixar de homenageá-lo. Mas o que um irlandês, nascido dois anos antes da virada do século 19 para o 20, que viveu as duas Grandes Guerras, poderia dizer a nós, brasileiros, hoje?


É preciso considerar antes de tudo, que sua leitura não é fácil e exige habilidades de interpretação e avaliação crítica que poucos leitores brasileiros têm até hoje. É só olharmos para os resultados dos exames aplicados pelo governo em todo o sistema de ensino brasileiro. Tanto é assim que quando eu procurei uma editora em 1989 (ano em que festejávamos os cem anos do nascimento de Lewis), a resposta para a minha proposta de série de palestras comemorativas foi: “Quem é que vai ler C.S. Lewis no Brasil”?


Não obstante, Deus colocou em meu coração a fé nesse projeto e hoje, principalmente após a produção de três filmes de cinema sobre as “Crônicas de Nárnia”, perdi a conta de conferências, semanas teológicas e eventos em igrejas, seminários, faculdades e universidades pelas quais já fui convidada até hoje para falar sobre o autor.


E o que é que me fez apostar nesse autor e até defender uma tese sobre “O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupas”, publicada como “Antropologia Filosófica de C.S. Lewis” (editora Mackenzie, para cuja republicação estou em busca de editora) e resumida em “A Pedagogia Cristã na Obra de C.S. Lewis” (Ed. Vida)?


Certamente mais as diferenças entre a sua cultura, seu tempo e o pensamento, do que as semelhanças. Os britânicos são conhecidos por serem pontuais, disciplinados, tradicionalistas, sistemáticos, racionalistas e quase “medievais” na sua cultura. Nós somos o inverso de tudo isso e, portanto, precisamos ouvir o nosso “outro” para com ele aprendermos. Essa seria a abordagem “negativa” da obra de Lewis, ou seja, daquela parte que completa aquilo que falta à nossa cultura e educação. Em outras palavras, esse seria o “não” do autor irlandês para com a cultura, educação e ética brasileiras.


Por outro lado, o autor também tinha uma mensagem desse tipo, negativa, para a sua própria cultura, que é a atenção não apenas para a razão, mas também para as emoções e a imaginação, ou criatividade, e isso, nós, brasileiros, temos de sobra. Assim, sua mensagem adquire também uma dimensão positiva, não falando apenas do que “não devemos” ser, fazer ou pensar, mas também do que estamos “convidados” a ser, fazer ou pensar.


Lewis costumava dizer que enquanto a razão é o “órgão” da verdade, a imaginação é o do sentido, ou seja, apenas na interação entre esses dois aparelhos de leitura da realidade é que podemos ter uma compreensão significativa do mundo. (E a aprendizagem significativa, envolvendo a criatividade está em moda nas teorias educacionais de hoje, que também estão presentes no Brasil, ainda que de forma “importada”, ponto esse que tenho explorado bastante nas discussões sobre a atualidade do autor para a educação).


Mas será que nós valorizamos essa qualidade - a da criatividade - em nossa educação, ética e cultura (exceto, quem sabe, relacionada ao carnaval)? E nos meios evangélicos, nos seminários e igrejas, que espaço tem sido dado à criatividade? Certamente muito pouco, a não ser, quem sabe, no campo da música com graus de intensidade e diversidade bastante diferentes de acordo com a vertente denominacional. Os produtos da criatividade e da imaginação são usualmente encarados com desconfiança, como objetos e instrumentos do mal numa verdadeira “demonização” da cultura que não seja propriamente “evangélica”.


Independentemente da denominação, entretanto, e do preconceito ou medo que se tem contra tudo o que é imaginativo, principalmente se isso envolve “seres” de “outro mundo” (os do imaginário mitológico ou da interioridade humana), todos os cristãos admitiriam que Deus é infinitamente criativo, o que ele expressou ao máximo por ocasião da criação do mundo. Aliás, todas as religiões, não apenas as cristãs, têm uma narrativa da criação, mais ou menos fantasiosa, “revelada” pela Graça Comum.


A diferença é que na narrativa cristã do gênese, há claramente uma colaboração entre a razão (“No princípio era o verbo", - ou logos - Jo 1.1) e a visão (... e “viu que era bom”...); entre a imaginação e o fato histórico, que se deu de forma especial na criação do homem “à imagem e semelhança de Deus”. Se somos imagem e semelhança de Deus, também abarcamos em nós esses dois lados ao mesmo tempo: o da razão e o da imaginação. E como Jesus deixa claro na “Parábola dos Talentos”, nós nos tornamos culpáveis quando resolvemos enterrar e não fazer florescer os “talentos” que Deus nos deu. Com isso, ele não estava se referindo certamente a posses, riqueza ou dinheiro - ou pelo menos, não só a isso -, mas àquilo que já nascemos propensos a desenvolver: todos os nossos dons e talentos, inclusive os artísticos e culturais.


Certamente esses são apenas alguns aspectos da atualidade de Lewis para a cultura e cristianismo brasileiro. Convido o leitor a ajudar a escavar essas verdadeiras pepitas em sua obra.


***


O Texto é de Gabriele Greggersen. É mestre e doutora em educação (USP) e doutoranda em estudos da tradução (UFSC). É autora de O Senhor dos Anéis: da fantasia à ética e tradutora de Um Ano com C.S. Lewis e Deus em Questão. Costuma se identificar como missionária no mundo acadêmico. É criadora e editora do site www.cslewis.com.br


Fonte: Ultimato.

4 comentários:

  1. Acho que a autora está um pouco equivocada quando diz que temos "medo" de obras que citam seres de outro mundo ou imaginário,o que temos é discernimento. As crônicas de Nárnia possuem claros simbolismos ocultistas, e creio que para um cristão não convém assistir qualquer coisa que misture a bíblia com elementos pagãos como se fosse uma coisa só.
    Todos somos livres para fazer o que quisermos, mas como diz Paulo: "Seja a paz de Cristo o árbitro em vosso coração"CL 3:15

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  2. Descobri Lewis esse ano, e depois de 2 livros tornou-se um dos meus escritores favoritos.As Crônicas de Narnia possuem histórias excelentes!

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  3. Então me responda por que Paulo usou autores pagãos em suas epístolas? Porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos; como também alguns dos vossos poetas disseram: Pois somos também sua geração. Atos 17:28
    Infelizmente, a literatura de Lewis não encontra muito espaço, porque aqui em terras tupiniquins predomina o pensamento dualista da idade medieval. A criatividade ficou reduzida somente aos limites eclesiásticos e a Graça divina que comum a todos os homens, só pode ser aceita se estiver coberta de uma roupagem evangélica.
    Parafraseando 1 Coríntios 3:21-23: Portanto, ninguém se glorie nos homens; porque tudo é vosso; Seja Paulo, seja Tolkien, seja C.S Lewis, seja o mundo, seja a vida, seja a morte, seja o presente, seja o futuro; tudo é vosso, E vós de Cristo, e Cristo de Deus.
    Grande abraço.

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  4. Bom dia Thiago

    Desculpa a minha ignorância, mas como comparar uma citação de um autor pagão a uma obra com influências muito duvidosas?
    O evangelho e os seus princípios não mudam.
    "A meu povo ensinarão a distinguir entre o santo e o profano e o farão discernir entre o imundo e o limpo."
    Ezequiel 44:23.

    "Portanto, ninguém se glorie nos homens; porque tudo é vosso; Seja Paulo, seja Apolo, seja Pedro, seja o mundo, seja a vida, seja a morte, seja o presente, seja o futuro; tudo é vosso, E vós de Cristo, e Cristo de Deus."
    Devemos ter cuidado ao usar um texto fora do contexto pra usar de pretexto.O capítulo fala sobre a divisão e a inveja que estava acontecendo naquele lugar quando o povo dizia "eu sou de Paulo" ou " eu sou de Apolo"(v4, por isso ele disse que tudo(reino, evangelho) era nosso e não obras mundanas.
    A bíblia também diz que todas as coisas lhe são lícitas mas nem todas lhe convém.
    Devemos ter muito cuidado ao misturar o santo e o profano, é uma pena ver obras com essa "roupagem evangélica" enganando a muitos se passando por algo cristão.

    Abraço Thiago
    Fica na paz

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