domingo, 13 de abril de 2014

A Teologia da Missão Integral e o Marxismo


Desde que ouvi falar de missão integral em 2007, enquanto fazia uma escola da JOCUM, fiquei interessado e comecei a pesquisar sobre o tema. Adquiri alguns livros, baixei artigos da internet, assinei Ultimato, enfim, quis saber quem falava sobre missão integral e o que falavam sobre missão integral. Em meio a muitas leituras e questionamentos, não sei se estou sendo tolo, mas a minha pergunta é: a teologia da missão integral dialoga com o marxismo ou mesmo se apropria de alguns pressupostos marxistas? Se sim, como articular cosmovisões contrárias uma da outra?
Filipe Reis, Parintins, AM

Bem, Filipe, nós vivemos num mundo profundamente influenciado pelo marxismo. Então, é impossível dialogar com o mundo sem dialogar com o marxismo num nível ou noutro. O marxismo mudou a face do Ocidente por, pelo menos, setenta anos. Estabeleceu-se como fato histórico, vimos surgirem blocos socialistas no mundo todo. E a grita do marxismo era a de que o capitalismo estava na contramão do que produziria felicidade humana, e que era preciso chegar a uma nova fase na história da humanidade a que eles chamaram de comunismo, que era, segundo Marx, o sucedâneo natural do capitalismo.

As experiências revolucionárias marxistas não comprovaram a tese, porque as grandes nações, que se tornaram socialistas, do ponto de vista marxista-leninista, deram ou tentaram dar um salto do feudalismo para o comunismo, já que nem uma delas havia passado pelo capitalismo propriamente dito. Mas estão aí, fizeram história, milhares de escritos, de reflexão por todo o mundo, em todas as línguas. Então, é impossível falar ao mundo sem dialogar com os que também tentam interpretar e até mesmo transformar o mundo. Neste sentido, a Teologia da Missão Integral dialoga com o marxismo assim como dialoga com A riqueza das nações de Adam Smith, com o capitalismo, porque nós estamos tentando responder a grande pergunta humana que é “qual é o sentido da vida, para o que é que nós existimos, de onde viemos, para onde vamos e como devemos viver?”. Então, nós dialogamos com todo mundo, inclusive com outras confissões de fé. Nós estamos lutando pela humanidade como todo mundo.

Agora, se o que você está perguntando é se a Teologia da Missão Integral lança mão do referencial teórico marxista, a resposta é NÃO. A TMI considera as análises marxistas, entende a validade de muitas de suas análises, mas não lança mão do referencial teórico do marxismo, porque a Missão Integral se estriba na recuperação de dois conceitos:

1- O conceito de justiça no profetismo hebraico. No profetismo hebreu você tem a noção de justiça, ela vai aparecer nos grandes profetas que vão dizer, como Amós (5.24), que a justiça deve correr como um rio que nunca seca. Todos os profetas hebreus levantaram a questão da justiça e são eles que introduzem esta noção da justiça como um critério transcendente: justiça não é mais uma relação de poder entre fracos e fortes, entre vencedores e vencidos; justiça é uma demanda divina, uma demanda de Deus; ele exige justiça, Deus exige que os pobres sejam tratados com decência, exige, de fato, que não haja pobreza, que haja libertação econômica, social e política (essa noção aparece no Jubileu e no Ano da Remissão – Lv 25; Dt 15.1-10). A justiça nasce no coração de Deus e é introduzida na história humana pelos profetas hebreus, são eles que trazem a noção de justiça para a história e trazem-na como um dado transcendente, e não como uma conclusão imanente, ou seja, não foram os seres humanos pensando sobre si, sobre a história, sobre a sociedade que chegaram à noção de igualdade, de justiça, de que não pode haver pobre; pura e simplesmente.

Foram os profetas hebreus que trouxeram este elemento para a história humana, esta visão de que há uma demanda da parte de Deus por igualdade entre os homens, por dignidade para todos os homens, pelo fim da pobreza, pelo respeito ao diferente, pelo abrigo ao estrangeiro, pela noção de direito humano. E isso vem diretamente de Deus, está espalhado por todo o Antigo Testamento, desde a lei de Moisés que é reforçada pelo profetismo hebraico que, na verdade, é um trabalho de recuperação do espírito da lei de Moisés, que clama por justiça. Este é o primeiro referencial da Missão Integral. Você verá isso nos escritos de René Padilla, nos escritos de Samuel Escobar, de Orlando Costas, de Pedro Araña e muitos outros.

2- O outro referencial da Teologia da Missão Integral é a recuperação da noção do Reino de Deus e sua justiça, a ideia de que o Reino de Deus é um outro sistema que se opõe ao sistema vigente, que se opõe ao sistema capitalista e ao sistema soviético. É um outro sistema que vem não para estar ao lado dos sistemas em pauta, mas para substituí-los, para erradicá-los. Isso aparece no profeta Daniel que, quando responde ao sonho de Nabucodonosor, fala sobre a pedra que é lançada por mãos não humanas contra a estátua.

A estátua, no sonho de Nabucodonosor, sintetiza todas as tentativas humanas de resolver o problema humano sem considerar a hipótese de Deus ou sem considerar a revelação de Deus, tudo o que os homens tentaram em todos os níveis: o feudalismo, o capitalismo, o comunismo; está tudo lá na estátua. E a pedra é o Reino de Deus, que vem e derruba a estátua, triturando-a, desfazendo todos os componentes da estátua até transformá-la em pó, pó que é varrido pelo vento de modo que da estátua não fica nem lembrança, e a pedra cresce, alarga-se e toma toda a terra, ou seja, uma nova realidade assume o controle da história e essa nova realidade é o Reino de Deus.

A Teologia da Missão Integral vai recuperar essa noção de Reino de Deus que aparece com força total no Novo Testamento, a partir da pregação de João Batista, e que é referendada e ratificada pela pregação de Jesus de Nazaré: arrependei-vos porque é chegado o Reino dos Céus. Nos quatro Evangelhos você verá que os fariseus, os saduceus, os mestres da lei, que viviam inquirindo Jesus, fizeram perguntas, de toda ordem, de todo tipo, mas nenhum deles perguntou o que era o Reino dos céus. Todos eles sabiam do que João e Jesus estavam falando, eles sabiam o que era o Reino dos Céus: a chegada da realidade definitiva, a realidade que iria se impor á história, que iria conquistar a história, que iria se estabelecer na história e iria dar o tom à história.

É isso que a Teologia da Missão Integral recupera: a noção do Reino de Deus como um sistema que engloba tudo o que afeta o homem e tudo o que o homem afeta. Engloba, portanto as questões social, política, econômica, ética, a moral, educacional, do trabalho, do direito, porque tudo isso afeta o homem e é afetado pelo homem, por isso é um sistema só, e esse sistema precisa ter um novo princípio vetor que segundo as Escrituras é o Reino de Deus. Assim, o Reino de Deus é um novo sistema onde só a vontade de Deus é feita, e é um sistema econômico, político, social, moral, ético, educacional, está tudo contido no Reino de Deus.

A Teologia da Missão Integral é uma proposta Ortodoxa, que amplia a missiologia da Igreja, portanto uma proposta de Evangelização, de proclamação da necessidade da conversão ao Cristo, na sua forma mais radical, mas não tem a pretensão de que seja a Igreja que venha a implantar o Reino de Deus, ela tem a intenção de encorajar a Igreja a sinalizar que o Reino de Deus já está presente, e trabalha para que a Igreja seja uma mostra do mundo vindouro “as primícias” do Reino de Deus, como Tiago (Tg1.18) nos advertiu.

Sendo assim, a partir da Igreja os paradigmas do Reino dos Céus devem ser vividos, e aí a Igreja, como uma das protagonistas da história, precisa ser proativa e sinalizar a presença do Reino a partir de todas as suas possibilidades, e influenciar o mundo com os padrões do Reino de tal maneira que, guardadas as devidas proporções, o mundo se torne o mais parecido possível com o Reino vindouro. E isso vai significar a chegada da paz, da igualdade, do direito, da responsabilidade moral, de uma sociedade sem classes, de uma sociedade justa, de uma sociedade igualitária, solidária, isso é a pregação da Teologia da Missão Integral.

Você pode dizer que aqui ou ali nós esbarraremos em conceitos marxistas, mas eu preciso lembrar a você de que Marx veio depois da Igreja Primitiva, veio depois de Jesus, o Cristo. Não somos nós que estamos buscando conceitos em Marx, foi Marx que buscou os conceitos dele na tradição judaico-cristã, e tentou criar um projeto de uma vida semelhante ao que a Igreja primitiva viveu. Porém o filósofo quis atingir essa realidade sem a necessidade da hipótese de Deus, e por métodos que a Ortodoxia Cristã não apoia.

Nós não trabalhamos com o referencial marxista porque o nosso referencial é anterior. Embora aqui e ali, nós possamos ter intersecções com os marxistas, se isso acontecer, será porque, como disse o Karl Jaspers, nenhuma filosofia do Ocidente foi desenvolvida sem que a Bíblia fosse o pano de fundo. E nem Karl Marx escapou disso.

***

O texto é de Ariovaldo Ramos. Fonte: Ultimato. Via Pavablog.

4 comentários:

  1. Misael ,muito maravilhoso seu artigo,é isso mesmo ,até mesmo conceito de equidade que o evangelho já tratava dele, hoje está sendo aplicada de forma deficiente nas escolas, porque será ?Acredito que é o humanismo ,que prefere a criatura que o criador ,este antropocentrismo vaidoso que não quer ter parte com o governo verdadeiramente sábio e não caprichoso como o dos homens,pois é, a única inspiração que o evangelho teve foi do Espírito Santo , o resto das ideologias que tentam defender a igualdade social é imitação barata e sem possibilidade de sucesso neste aspecto porque dependem do homem,e o que é que o homem pode fazer ou tem para oferecer dele mesmo ?Nada! o que vem desses tudo é vaidade,já dizia Eclesiastes 1:''Palavras do pregador, filho de Davi, rei em Jerusalém.
    Vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade de vaidades! Tudo é vaidade.
    Que proveito tem o homem, de todo o seu trabalho, que faz debaixo do sol?
    Uma geração vai, e outra geração vem; mas a terra para sempre permanece.
    Nasce o sol, e o sol se põe, e apressa-se e volta ao seu lugar de onde nasceu.
    O vento vai para o sul, e faz o seu giro para o norte; continuamente vai girando o vento, e volta fazendo os seus circuitos.
    Todos os rios vão para o mar, e contudo o mar não se enche; ao lugar para onde os rios vão, para ali tornam eles a correr.
    Todas as coisas são trabalhosas; o homem não o pode exprimir; os olhos não se fartam de ver, nem os ouvidos se enchem de ouvir.
    O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará; de modo que nada há de novo debaixo do sol.
    Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Já foi nos séculos passados, que foram antes de nós.
    Já não há lembrança das coisas que precederam, e das coisas que hão de ser também delas não haverá lembrança, entre os que hão de vir depois.
    Eu, o pregador, fui rei sobre Israel em Jerusalém.
    E apliquei o meu coração a esquadrinhar, e a informar-me com sabedoria de tudo quanto sucede debaixo do céu; esta enfadonha ocupação deu Deus aos filhos dos homens, para nela os exercitar.
    Atentei para todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade e aflição de espírito.
    Aquilo que é torto não se pode endireitar; aquilo que falta não se pode calcular.
    Falei eu com o meu coração, dizendo: Eis que eu me engrandeci, e sobrepujei em sabedoria a todos os que houve antes de mim em Jerusalém; e o meu coração contemplou abundantemente a sabedoria e o conhecimento.
    E apliquei o meu coração a conhecer a sabedoria e a conhecer os desvarios e as loucuras, e vim a saber que também isto era aflição de espírito.
    Porque na muita sabedoria há muito enfado; e o que aumenta em conhecimento, aumenta em dor.''O sistema de governo perfeito é o de Deus ,é o evangelho,Cristo como Rei,Cristo como centro e não o homem na sua vã epistemologia.

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  2. Ver Ariovaldo Ramos chorar a morte de Chavez joga esse artigo na latrina.

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  3. So mais uma heresia igual a teologia da libertação, falar que Hugo chaves foi um grande homem, e apóia governos como o do pt,cuba,é andar de braços dando com satanás

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  4. É inevitavel que no evangelho, volta e meia os pensamentos e ideias se cruzem com as do meio secular, pois as pessoas "do mundo" não são um bando de barbaros igual as ideologias evangelicas dizem para manipular os crentes que ignoram a propria lógica, (desses eu tenho medo pois são do tipo que podem matar em nome de cristo, ou melhor do pastor, alias fizeram muito isso no passado) todos buscamos um sentido pra nossa vida, e só em Deus o encontramos. tambem vejo na essencia do socialismo a vontade Deus, mas somente ele pode tornar isto realidade.

    Capitalismo é uma das mais claras expressões da maldade no homem, só o fato de convivermos neste sistema já nos coloca em pecado e desafio qualquer um a me apresentar argumentos logicos de que a mais-valia do capitalismo não é um pecado abominavel para Deus (walace4sky@gmail.com), mas ironicamente ainda prefiro o capitalismo ao comunismo tendo em vista a maldade do homem em qualquer sistema politico....Enfim só oque fazemos é pecar e pecar e pecar, só oque nos resta é nos humilhar e muitissimo aos pés de Jesus e pedir a ele que sua graça nos de forças para ser menos maldosos....é possivel entender a alta divida que ele pagou por nós não é?

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