Sabe aquela noite em que você chega morto de cansado depois de um longo dia todo de trabalho? Daí você toma um banho, janta com a família e fica na dúvida entre assistir um filme ou ler um bom livro na varanda. Pois bem, de repente um som estrondosamente absurdo começa a passar canções horríveis que fazem mais menção ao diabo do que de ao próprio Deus. Então algum rapaz com voz de vendedor de confecção inicia mesmo com o tocar das canções estranhas uma espécie de avaliação do som usando o microfone e dizendo: “teste, um, dois, três, aleluia”; “ok, som, um, dois, trêsss, glórias ao Senhor”.
Nem mais filme, nem mais leitura... Na verdade, parece que um trio elétrico invadiu sua casa.
Então desisto do descanso, do filme, da leitura e começo a ouvir o que se passa naquela rua de cidade de interior, daquelas onde nas noites as calcadas são ao mesmo tempo praça, parque e sala de encontro.
É um culto de rua. E ao que parece, para aqueles, quanto maior for o raio de alcance sonoro, maior é o poder do Deus. Só que não... Mas o som era de rachar até ovo de pardal, acredite.
Começa a sessão de hinos - horríveis e com as mesmas temáticas: batalhas, provações, vitórias, inimigos do dia-dia, “mar se abrindo”, “martelo subindo”, “sobrenatural de Deus”.
Eu não tenho opções. Ou vou ao culto, ou oro pra que tudo ocorra bem. Acabo ficando com a segunda opção.
A palavra é passada para vários obreiros. Cada um ler um versículo e conta uma vitória. Outro diz um testemunho fantasioso. Outro fala em línguas e outro dá profecias pra todo mundo e ao mesmo tempo pra ninguém.
Finalmente chega a hora da pregação da palavra. O pregador percebe que muita gente da rua está incomodada com aquela reunião estrondosamente insuportável, pios os moradores começaram a entrar em suas casas por terem suas atividades frustradas. Mesmo assim ele solta a voz intrépida e diz: “vocês que estão guardando suas cadeiras e entrando em casa, vocês estão fugindo de Deus; Ele veio aqui pra falar com vocês, mas vocês querem ir para inferno. Pois bem, vocês escolheram o inferno, mas eu vim aqui pra dizer o que ele mandou e não to nem aí se vocês não querem ouvir”. De repente o som é aumentado, parte dos fieis começam a orar em voz mais alta e a falarem em línguas estranhas, e o culto perdura em mais de uma hora.
A essas alturas eu já estava extasiado, perturbado com tantos decibéis nos tímpanos. Esperei o término do culto, fui para a cozinha da casa, liguei no som uma bossa nova bem baixinho pra acalentar a turbulência...um pedaço de queijo, uma taça de vinho e depois fui dormir triste, cansado e decepcionado.
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P.S.: Esses "causos" são situações relativamente verídicas que ocorreram no meu dia-dia.
Antognoni Misael, editor do Arte de Chocar.
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