sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

A Graça do Jazz



Diante de uma infinda apreciação musical que tenho, passeando pelos sons da tríade folclore-erudito-popular, não podia deixar de registrar uns dos estilos de linguagem mais rica e apurada na música popular - particularmente o que mais venho curtindo recentemente: o Jazz.


Mas...quem criou o jazz? A pergunta ressoou...

Certamente não surgiu do nada, assim como não foi fruto exclusivo da genialidade de Buddy Bolden, Duke Ellington, Miles Davis, ou de qualquer ser “iluminado”. Prefiro entender que o jazz foi fruto das fusões e contradições culturais próprias da América, especificamente dos Estados Unidos no século XIX. Felicidade/tristeza, negro/branco, Velha África/Novo Mundo não seriam antagonismos favoráveis às misturas culturais em um ambiente temperado entre sons africanos, nativos e europeus?

Considerando tais revezes de contribuição para o surgimento do jazz, não há impedimento algum que me faça desacreditar que os processos criativos específicos das muitas civilizações nasceram da inspiração dada pelo próprio Pai das Luzes (Tg 1.17).

Vejo em Apocalipse as grandiosas visões dos redimidos advindos de todas as tribos, povos, línguas e nações (Ap 5.9; 7.9; 14.6); vejo a excelsa soberania de Deus no Seu mover através cultura. Notemos que ao mesmo tempo em que Ele age nas individualidades do sujeito, conspirando para o Seu plano em cada ser, coopera em outra dimensão nos processos de criações e invenções que perfazem a história da humanidade e suas evoluções enquanto sociedades antes antigas em direção a modernidade, sofisticação e tecnologia. Processos estes que nos fizeram chegar até o presente vivido. Deus é o Autor e Senhor da História.

Trazendo para um prisma histórico, questões como o hibridismo, a dominação e/ou a resistência cultural corroboraram principalmente no aspecto colonizador, para o surgir de um “novo”- além do jazz no norte da América, poderíamos dar exemplos de estilos brasileiros, também, frutos desses impasses e misturas culturais. Enquanto isso, vale salientar, que a música ao longo de sua história pôde perpassar por formatos rudimentares primitivos, canto gregoriano medieval, por exemplo, chegando até as harmonias complexas do jazz. Isto significa, grosso modo, que a história da música reflete em boa parcela os processos de transformações históricas das sociedades.



Diferentemente do Brasil, onde a colonização européia permitia o uso dos instrumentos percussivos nos rituais escravistas, a norte-americana, mais rígida, relegou aos seus escravos o contato com os instrumentos de bandas marciais: trompete, tuba, clarinete, etc. - restantes do período da Guerra de Secessão - além do piano, cujo contato se deveu a outra situação. Eis a diferença substancial da colonização brasileira para norte-americana; enquanto o negro daqui se envolveu mais na linguagem percussiva, os do norte se deram mais aos aspectos melódicos e harmônicos.


A partir de 1817 os escravos de Nova Orleans receberam permissão para cantar, dançar e tocar seus instrumentos rítmico-melódicos trazidos da África nas tardes de domingo em um local chamado “Congo Square” – ali alguns brancos curiosos contemplavam os ritos africanos que envolviam a percussão, melodias das canções de trabalho, e as polifonias próprias do africanismo – onde o branco europeu celebrava o exótico!

Chegando a primeira década do século XX, o jazz já se mostrava em fase de concretização, porém não tinha reconhecimento no seio da sociedade. Sua marginalização ocorria principalmente pelos ambientes meretrícios em que se desenvolvia, entretanto suas origens folclóricas conseguiram sobreviver devido a tradição oral. Mas como algo podia ser ao mesmo tempo marginal e sofisticado? O jazz era e é justamente isso!

Sua essência fugia dos padrões seriais da música comercial, pop, industrial. Suas raízes eram basicamente folclóricas, pois derivavam das canções de trabalho, do gospel, contudo o único produto da Revolução Industrial que inspirava o jazz decorria do blues com a simbologia da estrada de ferro que levava o homem ao céu ou ao inferno - eis as canções do Mississipi, os lamentos e os trajetos longínquos em terras do sul norte-americano na servidão escravista.

Realmente não é tão simples se compreender o jazz, se faz necessário conhecer suas várias fases, visto que suas muitas variações foram resultados de mudanças sociais. Segundo o historiador Eric Hobsbawm podemos compreendê-lo:

De 1900 a 1917 – quando se tornou linguagem popular da música negra na América do norte.

De 1917 a 1929 – quando houve uma pequena expansão através das danças populares e canções.

De 1929 a 1941- com o triunfo internacional e penetração na música pop e legitimação na indústria cultural.

Hobsbawm vê o jazz não como um fenômeno em si, mas como uma música que influenciou a música comercial, popular, e fez parte da vida moderna.

O jazz é a materialização da criatividade no ato de musicar algo. Se os escravos precisavam improvisar (na língua, na subserviência, na estranha cidade) para sobreviver, não resta dúvidas hoje que a improvisação é sua maior marca. Quer tocar jazz? Improvise!

No jazz não há espaços para reproduções iguais. Foge-se do padrão, da repetição. Ele é novidade em todo instante, pois quando as vibrações começam a soar certamente surgirá algo novo. E é isso que me fascina!

***

Arte de Chocar.

3 comentários:

  1. Antognoni, que texto espetacular!

    Também sou apreciador do jazz e, muitas vezes brinco com amigos dizendo que eu nasci na época errada, pois deveria ter nascido em New Orleans nos anos XX.

    Essa capacidade de improvisação que o jazz traz consigo também me fascina porque entendo que pra improvisar o músico precisa ter muito domínio de seu instrumento, caso contrário, no primeiro erro não saberá como consertar.

    Uma coisa que faltou citar ou abordar mais a fundo é a influência do Jazz também na música brasileira, ao fundir-se ao samba para forma a bossa nova.

    Me deliciei com o grande Benson em "All of me".

    Mais uma vez parabéns pelo texto, meu caro.

    Abraço!

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  2. Muito obrigado Ibrahim,

    Muito boa sua dica. O fato é que faltou citar muita coisa, o jazz é uma assunto tão vasto..."O bebop e o cool jazz invadindo o rádio no Brasil e influenciando as concepções territorialistas resultaram de fato na Bossa Nova" - tema interessantíssimo!!

    Abração velho!

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