quinta-feira, 25 de julho de 2013

Qual é o meu chamado?

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Um sapateiro convertido perguntou a Lutero o que poderia fazer para servir melhor a Deus e ser um cristão melhor. Lutero perguntou: “O que você faz?”. Ao que o sapateiro respondeu: “Eu sou sapateiro”. Lutero então lhe disse: “Pois bem, faça bons sapatos, venda-os por preço justo e você irá servir a Deus e ser um cristão melhor”.


A pergunta do sapateiro é o tipo de pergunta que todo o cristão verdadeiro faz e continua a se fazer. Quem nunca perguntou isto ao seu pastor, algum irmão mais experiente na fé ou até a si mesmo? Para os novos convertidos, isto “martela” o tempo todo em suas cabeças: “Como servir melhor a Deus? O que devo fazer?”


De forma que, a vontade de servir a Deus e ser um cristão melhor, pode estar intrinsecamente ligada a saber se estamos no centro da vontade de Deus, e assim, ter a ciência de qual é Sua vontade para nós. Qual o chamado de Deus para nós?


Não sabemos o pensamento real que estava por trás da pergunta do sapateiro. Chego às vezes pensar em algumas hipóteses, e uma delas é: “Será que o sapateiro esperava ouvir algo do tipo: largue seu ofício de sapateiro, entre para o seminário, torne-se um oficial da Igreja?!”


Bom, não sabemos o certo. Mas, é sobre chamado o assunto de hoje.


Embora este assunto requeira reflexão e análise contínua da vida de cada um (e muito menos se pretende sanar todas as dúvidas, ansiedades e inquietações sobre isto), vamos tentar ao menos ir para um ponto de equilíbrio.


Lembro que na minha adolescência eu escutei diversas pregações sobre chamado. Elas tinham títulos como: “Não negocie seu chamado”; “Não abra mão do seu chamado”; “Invista no seu chamado”; “Deus tem um chamado para você” e etc. No desejo real de despertar seus membros para o trabalho no corpo de Cristo em sua igreja local, muitos líderes buscaram e têm buscado chamar a atenção para este lado da vida cristã. Isso é bom e necessário. Ociosidade não faz parte da vida cristã.


Mas até que ponto, “meu chamado” é de fato “o chamado que Deus tem para mim” para que eu possa compreender que estou na vontade do Senhor? Complexo não é? O fato é que Deus chama homens e mulheres.


O Senhor chama homens e mulheres a se arrependerem, a anunciar o Evangelho, a ser sal da terra e luz do mundo, e é claro, os chama para algo específico. Vemos por exemplo, diversos casos de pessoas nas Escrituras como Abraão, Jacó, Isaque, Moisés, José, Davi, Jeremias, Isaías, Ester, Jonas, João Batista e os apóstolos de Cristo. Sem dúvida, foram homens e mulheres que tiveram um papel a desempenhar em seu tempo. Mas cada um teve um papel diferente.


Ainda parece ser pensamento comum atualmente, que a “obra de Deus” se faz dentro do ambiente que chamamos de igreja, as quatro paredes, ou atividades ligadas diretamente às funções eclesiais. Mas, não. Não é só isso! A fé reformada mostra que tudo em nossa vida é controlado pelo Senhor, é santificado por Ele, afim de quem tudo seja por meio dele, para Ele e por causa dele. Romanos 11:36. Pois, em tudo em nossa vida, desde as atividades mais simples às mais complexas deve ter um único propósito: A glória de Deus Pai, por meio de Jesus Cristo, em todas as coisas. 1 Coríntios 10:31, Colossenses 3:17. Assim, tudo é obra do Senhor; não somente as atividades ligadas à igreja local.


Tenho notado, me parece que há pouca compreensão em diferenciar dons ministeriais com chamado. As Escrituras nos dizem que os dons são dados pelo Espírito Santo a quem quer, de acordo com Sua vontade, e nos instrui também a buscarmos os melhores dons. Dons são para edificação da Igreja, enquanto o chamado, necessariamente não será “executado” no contexto eclesial. Pode até ser no meio secular. Estas questões merecem reflexão, muita oração e estudo da Palavra. Afinal, o Senhor não descerá num cavalo branco, ou aparecerá novamente em uma sarça ardente bradando: “Eiiiiiiiiiiiiiiiiiiis queeeee te digoooooo servo/serva minha…”.


Quantas pessoas, eu já vi desistirem do sonho de ser o que queriam, mas porque ouviram um dia que precisavam estar no centro da vontade de Deus (o que é certo sim); e confundiram a mensagem achando que ser músico, médico, advogado não era bem o centro da Sua vontade. Afinal, só se está no centro se for obreiro da igreja, diácono, pastor, bispo, ou tiver algum cargo.


Há diferentes tipos de ministérios, mas o Senhor é o mesmo.”1 Coríntios 12:5


“Se o pé disser: “Porque não sou mão, não pertenço ao corpo”, nem por isso deixa de fazer parte do corpo. E se o ouvido disser: “Porque não sou olho, não pertenço ao corpo”, nem por isso deixa de fazer parte do corpo.Se todo o corpo fosse olho, onde estaria a audição? Se todo o corpo fosse ouvido, onde estaria o olfato?De fato, Deus dispôs cada um dos membros no corpo, segundo a sua vontade.Se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo? Assim, há muitos membros, mas um só corpo.O olho não pode dizer à mão: “Não preciso de você! “Nem a cabeça pode dizer aos pés: “Não preciso de vocês! “Pelo contrário, os membros do corpo que parecem mais fracos são indispensáveis,1 Coríntios 12:15-22


Uma vez ouvi um pastor dizer que queria que todos os membros da sua igreja fossem pastores. Ele sonhava com isto e estava trabalhando para isto. Mas, o que a Bíblia diz é que pastor está na lista de dons ministeriais da Igreja, ou de governo:


“E ele designou alguns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres,” Efésios 4:11


Nos estudos de teologia, atualmente estou lendo o segundo volume da Série Lições aos meus Alunos – Homilética e Teologia Pastoral, de Charles H. Spurgeon, Editora PES. Para compreensão e reflexão mais aprofundada sobre o que foi dito nos parágrafos acima, veja algumas coisas que ele disse aos alunos da escola de pastor que ele fundou:


“Ora, nem todos de uma igreja podem superintender ou governar; alguns têm que ser dirigidos ou governados. E cremos que o Espírito Santo designa na Igreja de Deus alguns para agirem como superintendentes, e outros para se submeterem à vigilância de outros, para o seu o próprio bem. Nem todos são chamados para trabalhar na palavra e na doutrina, ou para serem presbíteros, ou para exercerem cargo de bispo. Tampouco devem todos aspirar essas obras, uma vez que em parte nenhuma os dons necessários são prometidos a todos. Mas aqueles que, como o apóstolo, crêem que receberam “este ministério” (2 Co. 4:1) devem dedicar-se a essas importantes ocupações”. pg. 32


“‘Não entre no ministério se puder passar sem ele’, foi o conselho profundamente sábio de um teólogo a alguém que procurou sua opinião. Se alguém neste recinto puder ficar satisfeito sendo redator de jornal, merceeiro, fazendeiro, médico, advogado, senador ou rei, em nome do céu e da terra, siga o seu caminho”. pg. 38


Neste caso, ser chamado pelo Senhor para ser um pastor é uma responsabilidade enorme. É entender que exige certos sacrifícios, que é necessário uma vida de dedicação superior ao normal. É dedicar-se aos estudos com o objetivo de alimentar bem o rebanho. É ter uma vida de oração por si mesmo primeiramente, conservando-se na doutrina, para depois cuidar rebanho que Deus colocou aos seus cuidados. É dar conforto a alguém que perdeu um ente querido durante a noite, enquanto muitos já começaram a dormir; é chorar com os que choram e alegrar-se com os que se alegram. É estar disponível para orar, para aconselhar, dar prioridade à vida do outro. É muitas vezes sair para visitar alguém e partilhar da mesma mesa, mesmo não sendo farta e buscar meios para suprir a mesa dos que precisam. É dizer a verdade, mesmo que fira, em amor, para que possa produzir vida eterna. É estar sob direção do Espírito e ter uma consciência constante da Sua dependência, pois ele também é humano, tem família, tem lutas, vitórias e derrotas. É um pecador miserável, pobre, cego e nu, que se não fosse a Graça de Deus para salvá-lo, seu destino não seria nada bonito.


Só que nem todos são pastores. Como igualmente, nem todos são profetas, nem todos são evangelistas, nem todos são mestres, nem todos são apóstolos, como disse o apóstolo Paulo na carta aos Coríntios.


Nem todos são médicos, nem todos são administradores, nem todos são engenheiros, nem todos são engraxates, nem todos são cobradores de ônibus, nem todos são professores. Nossa compreensão de chamado começa por uma profunda dependência do Senhor em guiar nossa vida, pela instrução da Suas Sagradas Escrituras. Deixando o Senhor conduzir sua vida.


Somos muitas vezes levados a pensar que chamados são somente aqueles que foram tremendamente usados por Deus. Quando lemos as histórias da Bíblia e vemos, por exemplo, a galeria da fé no livro de Hebreus, nós pensamos que somente homens e mulheres como eles tinham realmente um “chamado pra valer”.


Mas o que não levamos em conta é que o fato da Bíblia não relatar a vida de outras pessoas da comunidade de Israel, do povo de Deus no AT e NT, não significa que estes homens e mulheres não foram chamados por Deus ou que não trabalharam para Ele e edificaram a Igreja de alguma maneira.


Certa vez ouvi um líder responder sobre chamados, dons, ministérios da seguinte forma: “O que você tem prazer em fazer?”, “O que você quer fazer?”. Deixe Cristo guiar sua vida naturalmente.


Meu irmão, minha irmã, você gosta de medicina e percebe que tudo na sua vida caminha para este lado? Você tem se dedicado ao estudo da medicina? Sente que este é o caminho que o Senhor escolheu para você? Teu chamado é este. E seja em qual área for, sendo cristão, deve fazer tudo para a Glória de Deus. Lá, naquele local, no ambiente de trabalho do seu chamado, ali se deve proclamar as boas novas do evangelho.


Há pessoas que no contexto eclesial talvez nunca cheguem a serem diáconos, pastores, evangelistas, mestres. Mas terão outros dons e serão chamados a atuarem não diretamente na igreja local, mas no secular com o seu chamado. Por que estou fazendo esta distinção entre chamado eclesial, secular?


Um exemplo que acho bastante esclarecedor é do músico. Uma profissão que para muitas pessoas, após a conversão, vira uma polêmica. Às vezes a pessoa abandona tudo, uma carreira brilhante, porque acha que seu chamado era outro e não a música.


Mas, música pode executar na igreja também. Ok! Mas e outras atividades? O artista plástico? O engenheiro? Não são chamados também? O pintor?


Em resumo, o que quer que façamos, devemos fazer para a Glória de Deus. Se você irmão, irmã, tem um sonho de ser alguém um dia, e tudo caminha para este sonho, tenha certeza, este é o chamado de Deus em sua vida, independente do dom espiritual que Ele te concedeu.


A intenção não é jogar uma balde de água fria naqueles que sentem um chamado mais forte para os chamados de governo, por exemplo, ou até ter um ministério ou cargo na igreja. Porém nos levar a uma compreensão e contentamento de que fomos chamados por Deus para fazer algo e isto deve e tem que glorificar Seu nome. Seja o que for. Da atividade mais simples à mais complexa e assim, serviremos a Deus. Até mesmo sendo, simplesmente, um sapateiro.


Paz e bem a todos em Cristo.


***


Anderson Alcides é tradutor, teólogo, e blogueiro escreve no A Voz no Deserto.

Um comentário:

  1. Essa Mensagem falou muito comigo... precisava ler algo assim.

    Deus abençoe a todos administradores deste site que tem muito contribuído com mensagens de reflexão e aprendizagem da Palavra.

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