quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Síndrome de Whitney Houston: o virtuosismo vocal estéril é o legado doThe Voice à música brasileira


O programa “The Voice” deixa como legado uma praga sinistra na música brasileira: o oversinging, a exibição de musculatura vocal e virtuosismo estéril que destrói qualquer canção.

Não era uma tradição brasileira. É uma herança bastarda do gospel. É o que já fazem há algum tempo, lá fora, Christina Aguilera, Mary J. Blige, Jessica Simpson, Josh Groban, Beyoncé, a insuportável Céline Dion, entre outros. Torturam as notas até não sobrar nada delas, ignoram as letras em prol de um exibicionismo obtuso, matam a pauladas a gentileza.

O ganhador do karaokê da Globo, Sam Alves, começou sua epopeia esfaqueando a delicada “Hallellujah”, de Leonard Cohen, e terminou gritando alguma outra música. É um retrocesso para o Brasil. João Gilberto e Tom Jobim — e depois seus seguidores Chico Buarque, Caetano Veloso, Gal Costa, Roberto Carlos e outros –, haviam atirado no século 18 o vozeirão de canastrões como Cauby Peixoto, Nelson Gonçalves e Ângela Maria. Perto desse pessoal do The Voice, Cauby, Ângela e Agnaldo Timóteo são silenciosos como a brisa.

Não é agradável. Não é cantar. É gritar mais ou menos no tom. Não que não tenhamos tido intérpretes exagerados. Elis Regina, para ficar num exemplo, era derramada, dramática. Mas nunca em detrimento da canção. Ela estava a serviço dela. Elis se descabela em “Atrás da Porta”, de Chico, mostrando todos os seus dotes, sem abrir mão do que a composição está falando. Você pensa em cortar os pulsos, nem que seja por dois segundos.

O oversinging virou um padrão da indústria. O nível de intoxicação é tão grande que, aparentemente, não há mais o que fazer. A moça que interpreta forró é obrigada a dar cambalhotas vocais. O que esses caras fazem com Tim Maia é uma maldade. Tim, que inventou o soul brasileiro, era econômico com seus vastos recursos vocais. No final de “Gostava Tanto de Você”, ele se solta um pouco mais. É uma aula de contenção e feeling.

A nova histeria musical nacional quer que a melodia original se dane. O que importa é colocar o máximo possível de confetes num bolo até ele perder o gosto. É a globalização da ruindade. O rapaz de Fortaleza canta exatamente como o da Nova Zelândia. E eles vêm em série. É um ciclo vicioso que entope o mercado de vocalistas que berram, sempre a um passo de imolar suas gargantas.

Se você quiser culpar alguém, culpe Whitney Houston. Foi ela quem popularizou a técnica por trás do oversinging, chamada de melisma, a capacidade de emitir várias notas numa sílaba. Aretha Franklin fazia uso disso antes dela, mas Whitney levou a coisa a um outro patamar. No início dos anos 90, ela estourou com “I Will Always Love You”, em que o “I” durava seis segundos. Fazia estrepolias com o “You”, também. Sem desafinar, faça-se justiça. Na esteira dela, vieram seus clones modernos.

Suas acrobacias eram resultado de treino árduo e, claro, dom. O piro virtuoso de Whitney e seus asseclas é uma espécie de aviso aos autores: “Ok. Vocês bolaram essa harmonia, escreveram essa letra — mas agora a coisa está comigo e eu farei o que eu quiser”. Uma espécie de apropriação indevida, muito lucrativa em alguns casos.

Por trás de cada refrão estuprado por esses Godzillas, há um autor pedindo socorro. Os mortos não têm saída. Os vivos podem achar que vão ganhar dinheiro com isso. O oversinging é uma doença estética que, graças ao The Voice, vai ganhar o país. Como dizia Agnaldo Timóteo, a plenos pulmões: “Ai, ai, mamãe, eu te lembro chinelo na mão, o avental todo sujo de ovo. Se eu pudesse, eu queria começar tudo, mamãe, tudo de novo”.

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7 comentários:

  1. Achei o texto radical. Todas as técnicas tem o seu lugar. Se alguém canta o tempo todo gritando ou se exibindo, não significa que aquela técnica é ruim, apenas está sendo utilizada de forma exagerada. Por isso não gostei do texto. Para eu criticar um produto, eu não preciso acabar com a matéria prima.

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  2. O autor do texto além de tendencioso, é extremista e acha que tem competência e conhecimento pra emitir crítica sobre música. Resumo: Leviano.

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  3. Como já dizia a música dos Titãs...
    (...) A melhor banda de todos os tempos da última semana
    O melhor disco brasileiro de música americana(...)

    Curti o Texto Toni ;)

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  4. Muito radical o texto em questão. Acho sim que a maioria desses cantores exageram nas firulas, mas cantam bem, principalmente em se tratando do The Voice Brasil, no qual os candidatos cantam mil vezes melhor que os proprios jurados.

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  5. Respeito sua opinião, mas acho que - inconscientemente, talvez? - você acabou escrevendo um texto de opinião como se fosse uma verdade absoluta. Pode não ser agradável aos seus ouvidos, mas aos de muitas pessoas é agradável e bonito de se escutar.

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  6. Mano eu Curto pra caramba a Whitney Houston, mas tenho que confessar q cada musica tem sua identidade e esses caras tipo San Alves entre outros, tem tirado toda a identidade e toda a essência das composições originais... Como diz o ditado "Tudo de mais é muito" e pra complementar eu digo "estraga e muitas vezes é desnecessário"

    Pra quem entendeu o texto está muito bom.

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