As palavras são essenciais na comunicação. Nem todos tem aflorado o dom da mímica, de modo que se fossemos depender da linguagem não-verbal, muitos seriam encerrados no cativeiro da ignorância e grandes ideias iriam se perder em meio a gestos não compreendidos. Mas o perigo da dissonância entre a mensagem falada e a recebida também afeta o mundo das palavras, e o problema muitas vezes começa no conceito delas próprias.
Na teologia isto também acontece e não é de hoje. Na época em que eclodiu a reforma protestante, houve uma questão inevitável: qual era a igreja verdadeira? A igreja católica ou as novas igrejas protestantes? Para responder esta pergunta ambos os grupos se valeram das mesmas palavras, fazendo referência aos antigos credos, indicando que teriam as marcas da verdadeira igreja: unidade, universalidade, apostolicidade e disciplina.
Ocorre que enquanto a Igreja Romana afirmava que era universal porque estava, como instituição, em expansão por todo o mundo, e era apostólica porque o papa era o sucessor direto de Pedro, a igreja reformada, afirmava que sua universalidade consistia no fato de que a igreja não se vincula a nenhuma nação ou povo, mas era composta pelos eleitos, de todos os povos, lugares e épocas, e que era apostólica porque tinha como fundamento a doutrina dos apóstolos.
Apesar da confusão semântica os reformadores entenderam a importância destas palavras e não abdicaram de usá-las, lutando para que ficasse revelado o seu correto significado. No entanto esta não é a postura de muitos em nossos dias, pois assim como em vários outros períodos na história da igreja, ensinamentos errados e heréticos tem invadido nossos templos e tem levado ao cativeiro palavras preciosas, mas a nossa postura tem sido diferente dos homens do passado. Temos perdido a partida por W.O. Consentimos com o rapto e assim nos tornamos cúmplices deste delito!
A doutrina da prosperidade se difunde no evangelicalismo brasileiro, e nós simplesmente, a fim de evitar qualquer associação com estes pensamentos, largamos mão desta palavra bíblica, fugindo dela ao máximo, entregando-a de mãos beijadas aos salteadores, esquecendo que ela faz parte da revelação de Deus nas suas escrituras, e por isso não podemos abandoná-la. A verdadeira prosperidade, que é a satisfação em Deus (Salmo 16:11), a alegria com contentamento (1 Tm .6-8), não pode desaparecer de nossos púlpitos. Devemos resgatá-la e proclamá-la sem medo, purificando o conceito e afastando de todo o materialismo mundano. Imagina o desastre que seria se em decorrência da extorsão provocada por homens impiedosos, excluíssemos do nosso meio o dízimo e as ofertas? O pecado de terceiros não nos dá permissão para omitir as verdades da palavra de Deus.
A mesma situação ocorre com palavras como vitória e promessas, que já tão desgastadas e violadas pelo discurso triunfalista barato, de um evangelho antropocêntrico, que visualiza Deus como um grande e poderoso amuleto para obter as benesses materiais e emocionais desejadas. Mas estes desvios não nos autorizam a expulsar de nossos arraiais estas palavras! O cristão é vitorioso em Cristo (1 Co 5:17), aliás é mais do que vencedor (Romanos 8:37), e a sua vitória é maior e melhor que qualquer situação existencial: nossa vitória é escatológica, no final de tudo, venceremos com Cristo ! Esta verdade não pode ser guardada ou evitada, assim como não podemos negligenciar as maravilhosas promessas de Deus que nada tem a ver com profetadas humanas, mas que são verdadeiros mananciais bíblicos de esperança e paz, como por exemplo a maravilhosa promessa que ele estaria conosco até a consumação dos séculos (Mateus 28:20), que todas as coisas cooperam para o nosso bem (Rm 8:28) e que se confessarmos o nosso pecado ele irá nos perdoar (1 João 1:9). Aqueles que desejam promessas menores que esta, feitas apenas por homens, que fiquem com elas, mas não privemos o povo de Deus de ouvir as promessas genuínas e inigualáveis da parte de Deus!
Existem outros casos que podem ser citados, como a equivocada aversão dos recém-convertidos ao calvinismo com a palavra escolha, não percebendo que esta doutrina não anula a decisão do homem, mas afirma que esta sempre será na direção oposta a Deus, se o Espírito não o vivificar. Esta é uma postura que é compreensível quando se trata de neófitos, mas é completamente descabida àqueles que já trilham há muito tempo no percurso das doutrinas da graça. Eis mais um exemplo de palavras que devem ser retirados do exílio.
Enfim, que possamos olhar para o exemplo dos reformadores e de tantos outros cristãos comprometidos com a ortodoxia ao longo da história, que combaterem as heresias, mas que não abandonaram as palavras que o próprio Deus usou, as deixando na boca dos lobos vorazes e dos tolos teológicos. As palavras são importantes, pois é a través dela que o evangelho é proclamado. Resgatemo-nos para Deus, restaurando seu significado real e glorificando nosso Pai sem perder a guerra que começa no dicionário e termina na vida espiritual.
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Rodrigo Ribeiro é lá da capital da Borborema, Campina Grande-PB; integrante do Blog da UMP da Quarta, Bacharel em Direito e amigão nosso.
Muito bom o texto, parabéns! Falou comigo, pois eu estava meio "de mal" com estas palavras. rs... Ótimo!
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