Se o conceito de secular significa “o lugar onde Deus não é lembrado”, não existe música secular no Brasil.
Registro palavras que ouvi durante a viagem. Uma jornada que me manteve inteiramente atento à paisagem sonora da canção popular. Tentei não me distrair com os livros, não li muito, apenas documentei expressões e símbolos. O roteiro dessa viagem foi construido dentro da lista que a revista Rolling Stone fez em 2007, a lista dos 100 maiores discos da música brasileira. Tive a companhia da já conhecida de vocês Sarah Ferreira de Toledo e, mais recentemente, do físico pernambucano Maelyson Rolim. Prestem atenção nele.
Meu amigo de Pernambuco é formado em física pela UFPE e hoje está completando o mestrado em física aplicada. Sua pesquisa aborda padrões estatísticos e termodinâmicos de textos literários! Sim, vocês já vão saber o que é isso. O trabalho tem sido desenvolvido no sentido de “observar se a forma como as palavras são organizadas dentro de um texto, sobretudo no gênero literário romance, apresenta características universais e como tal distribuição pode ser utilizada para, entre outras coisas, extração de palavras-chave com baixo custo computacional”, explicou Maelyson, usando o vocabulário técnico necessário para isso.
Esse “cara de exatas com os dois pés em humanas”, me deixou fascinado com seu objeto de pesquisa. Em e-mail recente, ele continuou o assunto. Vamos ouvi-lo: “num trabalho chamado The automatic creation of literature abstracts publicado em 1958, H. P. Luhn propôs o uso do número de ocorrências como parâmetro para determinação de palavras-chave. Na última década inúmeros pesquisadores tem buscado ampliar essa abordagem e é nisso que tenho trabalhado.”
Maelyson, juntamente com seu orientador, construiu um programa para determinar diversos parâmetros de textos, como frequência (número de ocorrências de termos), distribuição e entropias. Apelidei a sua criação de “A Incrível Máquina de Contar Palavras”. E claro, pedi pra ele passar pelo programa todas as canções selecionadas pele revista. E assim ele fez, generosamente.
Os dados que vocês vão ver são relativos apenas ao número de ocorrências de cada verbete dentro da lista da Rolling Stone. São números. Portanto, não definem valor litero-musical ou a qualidade de qualquer canção. Gravem isso.
Era de se esperar, caso fôssemos presos ao senso comum, que palavras como estas que vocês vão ver, fossem propriedade do canto litúrgico das comunidades cristãs. Que esses símbolos não tivessem nenhuma ocorrência na rua. Que autores não sacros, ou não religiosos, suplantariam de sua obra estes termos tão ligados à religião cristã. Maelyson me enviou um arquivo contendo lista com todas as palavras utilizadas nas mais de 1200 canções que ouvimos (lista total da Rolling Stone). Ele também me apresentou todas as palavras que ocorrem nas cem canções que a Sarah selecionou – aquelas que vamos ver mais de perto aqui na série Espiritualidade na MPB. Para efeito de curiosidade, apresento a vocês aquelas palavras ligadas ao campo da espiritualidade e da religião cristã, presentes nas canções da série. Pela ordem de maior presença nos textos, nós ouvimos:
Palavras-chave na MPB
“Deus”, “Jesus”, “Fé”, “diabo”, “Senhor”, “Santo”, “Lord”, “Christ”, “Inferno”, “Haleluia”, “Glória”, “Alma”, “”Santa”, “Cristo”, “Padre”, “Espírito”, “Pecado”, “Graça”, “Ave”, “Rezar”, “God”, “Sagrada”, “Eterno”, “Cruz”, “Igreja”, “Culpa”, “Aleluia” (sem H), “Crer”, “Reza”, “Amém”, “Perdão”, “Divina”, “Pastor”, “Perdoe”, “Hebron”, “Crentes”, “Misericórdia”, “Capítulo”, “Versículo”, “Jacó”, “Sodoma”, “Gomora”, “Divino”, “Serpente”, “Paraíso”, “Sagrado”, “Profecia”, “demônio”, “Louvado”, “Crucifixo”, “Glórias”, “Rezei”, “Anjos”, “Arcanjos”, “lúcifer”, “Batiza”, “Batizado”, “Jesu”, “Sancta”, “Nobus”, “Romaria”, “Tentação”, “Adão”, “Mártir”, “Eterna”, “Hino” , “Orai”, “Babel”, “Evangélico”, “Profeta”, “Judas”, “Salvo”, “Pecou”, “Bíblia”, “Mística”, “Páscoa”, “Crença”, “Católica”, “lúcifer”, “Evangélica”, “Pentecostal”, “Madre”, “Frei”, “Bispo”, “Presépio”, “Vigário”, “Belém”, “Papa”, “Creio”, “Milagre”, “Religião”, “Éden”, “Infernal”, “Reverendo”, “Pecava”, “Pecatoribus”, “Santidade”, “Infiel”, “Doutrina”, “Profetas”, “Hinos”, “Consagrar”, “Abençoar”, “Apocalyptic”, “Armageddon”, “Blasfemou”, “Blasfema”, “Blasfemei”, “diabos”, “Exorcista”, “Flamejando”, “Católico”, “Protestante”, “Capela”, “Benção”, “Abençoado”, “Livrai-nos”, “Perdição”, “Bendita”, “Procissão”, “Abraão”, “Ore”, “Culto”, “Pecados”, “Crucificaram”, “Crente”, “Judeu”, “Abel”, “Caim”, “Católicos”, “Calvário”, “Martin”, “Luther”, “Espíritos”, “Malignos”, “Salomão”, “Divinas”, “Protestantismo” e “Pastores”.
Estatísticas
Vejamos agora uma análise das 30 palavras que mais aparecem nas 100 canções da série. Vou colar os dados conforme Maelyson me passou e ao lado coloco as principais funções gramaticais de cada verbete. Da esquerda para direita temos a colocação no ranking das palavras, o número de vezes que ela ocorre, quem é a palavra e qual a sua principal função.
01) 931, O, artigo. def. masc. sing.
02) 826, QUE, pronome interrogativo, exclamativo,relat.
03) 736, DE, preposição
04) 720, A, artigo, pronome, preposição
05) 703, É, presente do indicativo verbo ser, 3a pes.
06) 699, E, conjunção aditiva
07) 568, EU, pronome, substantivo masculino
08) 560, NÃO, advérbio, substantivo masculino
09) 384, UM, numeral, artigo indefinido, adjetivo,
10) 283, NA, preposição, artigo definido
11) 282, NO, prep., pronome neutro, preposição
12) 282, PRA , preposição, pronome
13) 278, SE, conjunção, pronome pessoal
14) 270, DO, contração da prep. de e do artigo o
15) 228, DA, masculino, interjeição
16) 201, MEU, forma átona do pronome eu, subst. masc.
17) 199, ME, preposição
18) 195, COM, advérbio, subst. masculino, prep.
19) 184, MAIS, conj.aditiva, pron. indef.
20) 183,TEM, do verbo ter
21) 175, UMA, feminino do numeral um
22) 156, VAI, do verbo ir
23) 152, EM, preposição
24) 150, VOCÊ, pronome de tratamento, pron. indefin.
25) 144, QUEM, pronome
26) 140, OS, art. def. masc. plur.
27) 130,TÁ, interjeição, variação do v. estar
28) 128, DEUS, substantivo masculino
29) 128, SÓ, adjetivo, adverbio, substantivo masc.
30) 118, MAS, conjunção, adverbio, palavra denotativa
Desconsiderando preposições, artigos e adverbios, preste atenção nas palavras que são usadas principalmente como substantivos, pronomes e verbos. Pela ordem decrescente de aparição temos: “Que” (pronome interrogativo, exclamativo…) 826 vezes, “A” (artigo, pronome, preposição) 720, “É” (do verbo ser) 703 , “eu” (pronome, substantivo masculino”) 568, “não” (adverbio, substantivo masculino) 560, “Se” (conjunção, pronome pessoal) 278, “Meu” (Pronome possessivo, substantivo masculino) 201, “Tem” (do verbo ter) 183, “Vai” (do verbo ir) 156, “Você” (pronome de tratamento, pron. indefin.) 150, “Tá” (variação do verbo estar) 130, “Deus” (substantivo masculino) 128 vezes e “Só” (adjetivo, adverbio, substantivo masculino) que também ocorre 128 vezes!
E daí?
Interessante notar a relação íntima que todas essas palavras têm com identidade e transcendência; buscamos descobrir quem somos, qual o sentido disso tudo e se existe alguém maior que os números.
Tá. O que isso significa? Entre tantas outras coisas, que a música popular brasileira tem na sua própria obra as razões para não dispensar a presença de todos os novos artistas cristãos que não fazem música litúrgica e que não se alinham à grife gospel. São as próprias canções brasileiras e não as prateleiras de mercado as verdadeiras detentoras de autoridade para dizer qual o lugar do espiritual na obra de arte. Me parece que todas essas palavras que acabamos de ver não deveriam ser ignoradas. Deveríamos notar que “Deus” está mais presente em nossas canções de rua do que imaginávamos. Deveríamos descobrir logo que se o conceito de secular é “o lugar onde Deus não é lembrado”, não existe música secular. Ou melhor, a maior parte da música brasileira não trabalha sobre a égide do secularismo, não poderíamos dizer que ela é “iluminista’, mas sim romântica. Uma música que nasce da alma. Não há o que verificar cientificamente (paradigma secular) sobre os temas do amor, da solidão, da busca por sentido, da transcendência. O que tudo isso significa? Deus está falando do meio do redemoinho: “também pus no coração do homem o anseio pela eternidade; mesmo assim este não consegue compreender inteiramente o que eu faço”.
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Fonte: Nossa Brasilidade.
Acho que a questão da "graça comum", defendida por vcs não escapa da questão que vcs mesmos, calvinistas, apoiam e gritam aos quatros ventos: o que pode fazer um morto? Eu entendo toda a questão estilística e a linguagem aferida na música ao apelo de coisas eternas. Contundo, não consigo entender qual parte edificante essas músicas podem nos trazer e ensinar se no âmago delas se encontra o mesmo assunto tanto criticado na música gospel: o humanismo. O secularismo, por onde entendo, não significa "onde Deus não é lembrado", mas sim onde sua autoridade e soberania é negligenciada e Cristo, como Senhor e salvador não é aceita. Me perdoe, mas músicas que falem de amor e Deus sem levar alguém em pensar em Deus como DEUS, nada mais é que pura tolice. Se o irmão simplesmente dissesse que gosta de MPB seria menos forçado do que tentar argumentar com tantas palavras que podemos encontrar uma beleza, ou verdade, ou mesmo algum ensino que nos leve a meditar em Deus. Tanto é que Paulo mesmo disse que Deus se revelou dos céus e por toda a criação, mas mesmo assim o homem quis seguir seus próprios caminhos (Romanos 1: 18 a 32.) Acho que o texto do irmão é tão vazio quanto as críticas veementes que vcs dão contra pentecostais ou neopentecostais. São vazias porque simplesmente não nos levam a pensar ou buscar a Deus, simplesmente imbeciliza alguns incautos e eleva os seus patamares a doutrinas. Vcs dizem algumas verdades? Sim, algumas vezes. Mas o fato de elevar o secularismo a nível espiritual, no que tange a meditação, e rebaixar toda e qualquer manisfestação espiritual (como curas e falar em línguas) denota não somente que a sua dita sabedoria é carnal, como expõe um ego de quem simplesmente quer ser ouvido. Creio que, se os irmãos realmente estivessem interessados em mudanças, falariam de coisas mais bíblicas, coisas como o "Voltemos a Evangelho" faz, expondo a mentira falando e ensinando a verdade. Eu não sou contra a proposta de vcs. Apenas acho que a sabedoria de vcs muitas vezes (com textos como esses)se eleva a um nível tão natural que a única coisa exaltada é a própria humanidade. Não precisam expor meu comentário. Provavelmente vcs vão dizer que sou só mais um herege. Ou um radical, ou qualquer outro adjetivo que vcs costumam chamar a qualquer que não concorde e conteste seus textos. Só quero deixar claro que tipos de textos como esses são lidos por cristãos que não possuem um entendimento bíblico sólido e que podem começar a postar frases de cantores drogados e outros afins só porque vcs dão destaques a esses. É triste ver um cristão postar frases de Renato Russo ou Raul Seixas para se expressar e não algum ensinamento ou verso bíblico. É só uma opinião.
ResponderExcluirPaz de Cristo,
Eliel
Eliel, ler o seu comentário já de manhã alegrou o meu dia. Eu mesmo não poderia me expressar melhor: "músicas que falem de amor e Deus sem levar alguém em pensar em Deus como DEUS, nada mais é que pura tolice".
ResponderExcluirSoli Deo Gloria (da forma certa).
Abraço.
Sensacional!!!
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