Ao me tornar policial militar (em 2007) logo indaguei ao meu pastor sobre a possibilidade de em uma ocorrência policial acontecer de tirar a vida de algum indivíduo por legitima defesa e consequentemente, descumprir o mandamento do “Não Matarás”. A pronta resposta que tive dele foi que, ali eu estava sujeito à autoridade do Estado, que foi constituída por Deus, e também, respaldado pela Lei Penal da nação, quanto a legítima defesa.
Graças a Deus nunca troquei tiro com bandidos. Todavia, convivo com militares que em ocorrências graves necessitaram efetuar disparos e neutralizar meliantes. Alguns destes me relataram que as ações foram em legítima defesa e, ao final de tudo, restou-lhes responder a um inquérito policial como também serem ouvidos perante o juiz para que fossem comprovadas a proporcionalidade da reação e a legitimidade da defesa; outros, baleados e feridos em ocorrências semelhantes, disseram terem sido esquecidos pelo governo, não recebendo o devido auxilio psicológico e de saúde, ficando escanteados na profissão - os menos prejudicados, ainda voltaram a ativa e se queixam até hoje de viverem cheios de traumas e limitações físicas. Além destes, ainda tem os que baixaram em diligência, deixando seus filhos órfãos e suas esposas viúvas - estes tristemente não puderam narrar suas ocorrências sinistras.
É incontestável a revolta de todos quanto à criminalidade e a impunidade no nosso país. Por isso, os policiais (militares), além dessa revolta generalizada, têm em suas listas de insatisfações as adições dos próprios riscos do serviço, a insegurança que sofrem na folga e a má qualidade de vida que acabam tendo em detrimento do periculoso ofício.
O vídeo do Pr. Lucinho (acima)onde ele expõe sobre a função policial cristão de defender a sociedade tem se propagado nas redes sociais, e o que posso dizer sobre ele é o seguinte: eu entendi o que o pastor quis dizer, muito embora ele tenha se expressão mal.
Todos nós somos seres emocionais. Agimos e falamos de acordo com os nossos sentimentos. É comum assistirmos na TV crimes hediondos desumanos, onde os níveis de brutalidade superam a irracionalidade das feras do reino animal, e, a reação nossa diante disso tudo, recheada de senso de justiça humano, é dizer algo do tipo: “esse bandido merece levar tiro na cara e descer ao inferno rapidinho" (que nem o traficante do filme do BOPE, lembram?) Portanto, nessas horas, enquanto fala alto a nossa revolta, a justiça do Estado, dentro do seu próprio equilíbrio, se incumbe de analisar os fatos friamente e imputar a pena legal para o infrator que, blindado pelos direitos humanos, quase sempre vai ileso para a cadeia e vive os seus poucos dias de pena, voltando em tempo breve à vida social e reincidindo no mundo do crime.
Podemos interpretar que neste vídeo específico o Pr. Lucinho falou com certa empatia, se imaginando na situação de alguém que teve um parente ceifado por algum assassino. Isso realmente causa revolta! Quando ele diz “não dá pouco tiro não, dá muito” (...) “porque tem gente que precisa tomar tiro”, ele deixa claro que concorda com a pena de morte instantânea para o homicida, quem sabe por descrer totalmente na capacidade de re-socialização do infrator, ou pela lógica da morte pela morte.
É evidente que o texto de Romanos 13.1-5 legitima as autoridades para exercerem suas funções (sob que a lei determina) mas, claro não autoriza o abuso de autoridade. Mesmo assim eu prefiro entender que a expressão “sentar tiro na cara do povo” falada por ele estava encharcada de emoção e indignação e não de extravasar a autoridade policial - até porque pensando assim, no fim das contas, quem se dá mal é o agente da ação, que fica em vida respondendo processos e processos sob o risco de ainda perder a sua farda. Contudo, esse é o côro dos pais de famílias que tanto temem pela vida de seus entes. De fato, esta é a fala de tantos que sentiram na pele o dissabor da impunidade. Não seria esse o desejo de muita gente no tocante àquele caso onde a criança boliviana foi morta impiedosamente por que chorou de medo, e foi baleada no rosto por um menor infrator que realizava um assalto naquela fábrica clandestina? - “Não me mate” , gritou ela antes de ser atingida! (eu adoeci naquela semana ao ver a reportagem).
Imagine-se agora policial, e se deparando com esta ocorrência, vendo a criança baleada ao chão e a família em prantos, e em segundos você dando de cara com o criminoso. Você encheria a cara do bandido de balas? Sim ou não? A emoção me induziria a descarregar os dois cartuchos da .40, mas a razão e o dever do oficio me induziria apenas a deter o acusado e entregá-lo, se possível com vida, as autoridades competentes.
Então, se levarmos ao pé da letra o discurso do Pr., aquela não seria a postura de um cristão policial. Primeiro por que um dos princípios básicos da polícia ostensiva é a Isenção. Isto é, o policial deve atuar sem demonstrar suas emoções e concepções pessoais agindo com impessoalidade e imparcialidade. O policial não deve trazer a revolta da vítima para a sua farda, não deve tomar a dor pessoal da vítima como se esta fosse a sua mãe ou filho, por exemplo, e no lugar de proceder equilibradamente agir com excesso. Segundo, porque, não cabe ao policial a aplicação da pena.
Não há dúvidas de que é tentador para o policial a ideia de descarregar a pistola em quem tentou tirar a sua vida e a vida de terceiros, mas certamente, agindo com excesso, assim, estará infringindo a lei, e ao princípio da doutrina policial, consequentemente não glorificando a Deus com sua atitude.
A emoção em casos extremos certamente pode dizer para descarregar a arma na cara do bandido, mas a razão inclina para a ação com proporção e profissionalismo. Pode parece difícil esta segunda opção, mas é possível sim, principalmente para aqueles policiais que rogam a Deus todos os dias por sabedoria e domínio próprio.
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